sábado, 28 de junho de 2008

DEPÓSITOS DE GENTE

O Sistema Carcerário no Brasil vive crise constante, cujas causas tornam-se evidentes ao estampar todos os dias as manchetes dos jornais: corrupção, rebeliões e superlotações. No entanto, esta é apenas a ponta do iceberg, e convém refletir sobre as reais causas que se ocultam atrás das evidências.
Numa camada superficial, está a violência em seu círculo vicioso: por mais absurdo que pareça, carcereiros, sem especialização, acreditam na violência como medida preventiva para evitar essa mesma violência. Mas o resultado é conhecido por todos nós: rebeliões e mais violência. Mas o sistema transforma a todos em vítimas de suas falhas, os trabalhadores que formam os quadros de funcionários dos sistemas penitenciários, ao passo em que são causadores de violência, também são vítimas da mesma, na medida em que não recebem preparo nem apoio físico e psicológico para lidar com a questão, acabando em muitos casos permanentemente lesados em sua dignidade e corrompidos. E a corrupção unida à deturpação de direitos resulta em exclusão entre os excluídos, que propicia direitos e regalias a quem pode pagar.
O atual quadro da situação, não revela sob nenhum aspecto, um caráter reabilitador do sistema presidiário brasileiro. Esqueceu-se a sua primitiva e primordial finalidade, que é a de reabilitar o cidadão, dando-lhe autonomia e capacidade de autojulgamento necessários para inserir-se novamente na sociedade. Em meio a aplausos, o que vemos é um desejo irrefreável de punição e violência.
Numa camada mais profunda, está a formação à que a sociedade submete seus membros e os valores que têm sido transmitidos de geração a geração. E nessa herança enquadram-se chavões como: preso bom é preso morto.
A sociedade brasileira sofre os efeitos da carência do olhar científico de quem busca as verdadeiras causas de um problema, sem deixar iludir-se por seus efeitos evidentes. Todo indivíduo, que exerce hoje um papel social, que se submete ou não às normas, é fruto de um processo de formação, é resultado desse processo. Ninguém nasce com um carimbo na testa que determine seu caráter, embora alguns já nasçam sob o estigma da marginalização e da exclusão. Uma formação que estimule a violência, só obterá como retorno a brutalidade e a falta de humanização.
Se a formação individual está sujeita ao comportamento coletivo, devemos saber também que a segurança coletiva está igualmente sujeita ao comportamento individual. Assim, pouco resultará o tratamento que se dá ao problema, não se isola a questão isolando o indivíduo em depósitos humanos.
O que presenciamos é uma banalização da violência. A sociedade, descrente da reabilitação, acredita que o melhor caminho é a execução sumária. E se não acreditarmos na capacidade de mudança do ser humano e continuarmos crendo que cada um é o que é, de que vale investir na formação das futuras gerações?
Encarando a questão em sua esfera estrutural, é preciso compreender que igualdade não é tratar a todos como uma grande massa homogênea, igualdade é compreender a diversidade de cada um, igualdade é oportunizar o coletivo, levando em conta o singular. A partir do momento em que o transgressor for visto novamente como ser humano será impossível não enxergar nele o que o distingue dos demais. Não se pode incluir numa mesma unidade carcerária transgressores de diferentes graus de criminalidade, “depositar” mulheres em celas masculinas por falta de espaço, punir ao invés de recuperar.
A única medida preventiva que poderá surtir efeitos é a mudança de mentalidade, é preocupar-se com a formação dos jovens e das crianças, é gerar oportunidades de reabilitação, é encerrar o funcionamento dos depósitos de gente e iniciar um trabalho verdadeiramente comprometido com a recuperação, é a humanização, de todos nós, e não apenas de quem se encontra “do outro lado”.


Ariadne

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